O que faria um jovem trocar uma noite de balada por uma sessão de crioterapia? Para a Geração Z, a resposta pode estar na busca desesperada por alívio em um mundo de policrise, onde a felicidade se tornou um bem escasso.

O World Happiness Report 2025 (WHR+25), divulgado na semana passada, traz uma revelação inquietante: a Geração Z é a mais infeliz em décadas, marcada por uma epidemia de solidão e desilusão estrutural. Enquanto isso, a indústria do wellness bate recordes de faturamento: segundo o Global Wellness Economy Monitor atingiu um novo pico de US$6,3 trilhões em 2023 e deve crescer para quase US$9,0 trilhões até 2028.

Enquanto jovens adultos redirecionam gastos com luxos efêmeros, como maquiagem e vida noturna, para terapias de bem-estar, a pergunta que fica é: por que a felicidade real parece inalcançável?

Anatomia da infelicidade geracional

De acordo com o WHR+25, além dos jovens nascidos a partir de 1995 relatarem menores níveis de felicidade, eles estão mais isolados do que os Boomers (nascidos antes de 1965), sobretudo nos EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Esse fenômeno é agravado pela hiperconectividade e pelas pressões do mundo digital, que intensificam comaprações sociais e sentimentos de inadequação.

– A Gen Z tem 40% mais dispositivos digitais que os millennials, mas 19% dos jovens sentem que não têm ninguém para pedir ajuda em crises (um aumento de 39% desde 2006).

– A felicidade despenca após os 20 anos, fase de entrada no mercado de trabalho e mulheres da Gen Z em países ocidentais relatam emoções negativas com mais frequência.

O relatório omite, mas a ameaça da automação paira sobre a Gen Z: 74% dos empregos entry-level estão suscetíveis à IA nos próximos dez anos. Essa incerteza amplifica a “síndrome do impostor” – 58% dos graduados sentem-se despreparados para carreiras pós-pandemia.

Além disso, o WHR 2025 alerta que países com alta penetração digital experimentaram queda de 12 pontos na confiança interpessoal desde 2010. Os dados também mostram que, em 2023, 19% dos jovens adultos em todo o mundo relataram não ter ninguém com quem pudessem contar para apoio social, um aumento de 39% em comparação com 2006. Esse isolamento é agravado pela desconexão entre percepção e realidade: experimentos na Universidade de Stanford demonstraram que estudantes subestimavam a disposição de colegas para oferecer suporte emocional. A solidão, portanto, não é apenas quantitativa (menos interações), mas qualitativa (desconfiança na profundidade dos vínculos).

Como sintetiza uma participante da pesquisa: “Adicionamos uma versão digital de nós mesmos e deixamos que ela dominasse nosso corpo real”.

Mas a culpa não é só do feed do TikTok — é do aluguel caro, dos empregos precários e da IA que ameaça seu futuro. O sentimento de infelicidade se relaciona a uma combinação entre pressões econômicas, fragmentação social e hiperconexão vazia. Quando questionados sobre o que os faria mais felizes, muitos jovens destacam necessidades básicas, demonstrando que a demanda é por estruturas sociais que garantam dignidade, não apenas produtos:

  • “Eu só queria que as pessoas fossem pessoas de novo.”
  • “Um aluguel mais barato resolveria pelo menos metade dos meus problemas.”
  • “Seria mais feliz se o mercado de trabalho não estivesse em frangalhos. Não quero me inscrever para 50 vagas e não ter retorno algum.”
De baladas a banhos de gelo: o novo ‘Efeito Batom’ e a reinvenção do consumo

Embora citem as pressões financeiras como uma das causas do sentimento de infelicidade, essa geração está mais disposta a investir em produtos e serviços relacionados ao bem-estar. Relatório do Global Wellness Institute, divulgado em 2024, mostrou que os norte-americanos gastam mais de US$5.000 por ano em bem-estar, incluindo cuidados pessoais, perda de peso, nutrição, condicionamento físico, entre outros, tornando a indústria de wellness mais rica do que a farmacêutica e a de esportes.

Aparentemente desconexos, o aumento da infelicidade e o crescimento do setor de autocuidado revelam uma reconfiguração radical das prioridades humanas diante de colapsos socioeconômicos e da erosão do contrato social, com a tentativa de suprir a insatisfação causada por desafios estruturais por meio de atividades que tragam algum tipo de alívio e recompensa.

Para analistas do Bank of America isso reflete uma mudança geracional no comportamento de consumo: millennials e Gen Z estão redefinindo o “efeito batom” – o aumento dos gastos com beleza em tempos de crise –, canalizando recursos para práticas de autocuidado. Eles identificam um crescimento de 18% ao ano no setor de bem-estar, impulsionado por pessoas com menos de 35 anos, que realocam gastos de lazer noturno para biohacking e terapias alternativas. Segundo análises econômicas do banco, os investimentos em tendências como imersões em água fria, terapias com luz vermelha e outros rituais de bem-estar estão impulsionando um boom na indústria de saúde e fitness, transformando-a em um setor resistente a recessões.

Onda wellness: a economia do autocuidado

De olho na busca por bem-estar, negócios de diferentes áreas criam produtos e serviços para suprir a demanda.

Clubes de wellness, como Love.Life, Le Blanche e Remedy Place, se espalham pelo mundo. Arc, recém inaugurado em Londres, é um espaço que une sauna, rituais em banheiras de gelo e pista de dança com DJ.

No setor de hospitalidade, empreendimentos como Equinox Hotel colocam performance, longevidade e bem-estar no centro das experiências e fazendo o turismo de bem-estar se aproximar de US$1 trilhão em 2023. Retiros de bem-estar, que ganharam foco na série White Lotus, também se proliferam, a exemplo de Naviva, Sensei Lanai, Up Norway e Aldeia Rizoma.

O soft wellness, que prioriza bem-estar e prazer no lugar de performance e rotinas sacrificantes e exaustivas, tem seu crescimento materializado na volta do pilates que, muito mais do que uma modalidade fitness, tornou-se um estilo de vida e uma estética que se espalha pelas redes sociais, com hashtags como #pilatesgirls, #pilatesmornig e #pinkpilatesprincess. Visto como alternativa ao cansaço generalizado, criou um mercado que deve passar de US$152 bilhões, em 2023, para US$417 em 2033.

Marcas de luxo e grandes grifes também passaram a investir no athleisure, que mistura conforto com um toque de sofisticação, em peças de treino cada vez mais fashion e refinadas. O mercado global de athleisure alcançou US$393,7 bilhões em 2024, devendo atingir US$902,4 bilhões até 2033.

O projeto do Chillshark, equipamento que transforma qualquer banheira em uma imersão gelada, recebeu o investimento total necessário no Kickstarter em apenas 7 minutos, chegando a US$390.000. Até mesmo a cervejaria Spaten criou um SPA com produtos à base de ingredientes da cerveja, com foco no público masculino.

Autocuidado como resistência

Porém, a busca por wellness não é apenas mais uma trend a ser monetizada, mas também uma forma de resistência. Para a Gen Z, investir em saúde mental e física é um ato político — uma forma de recusar a alienação digital e a precariedade econômica.

Segundo o WHR 2025, americanos comem 53% mais refeições sozinhos que em 20031, enquanto 34% da Gen Z relata “ansiedade digital” em ambientes sociais presenciais. Nesse contexto, práticas corporais intensas, como imersões em gelo, funcionam como rituais de reterritorialização: ao provocar estresse físico controlado, restauram a sensação de agência perdida em ambientes virtuais. Além disso, detoxes de redes sociais e encontros presenciais refletem um anseio por autenticidade em meio a algoritmos e cultura de vigilância.

Esse movimento transcende o individualismo: 62% dos usuários de aplicativos de meditação citam “restaurar conexões autênticas” como motivação primária. Nessa linha, Adrienne Maree Brown, filósofa, escritora e ativista, propõe o “ativismo do prazer” não como hedonismo, mas como engenharia social radical. Ela afirma que “todos nós precisamos e merecemos prazer, e nossas estruturas sociais devem refletir isso. Devemos priorizar o prazer daqueles mais impactados pela opressão.” Essa visão reforça a importância de repensar as estruturas sociais e econômicas, colocando a felicidade e o bem-estar no centro das estratégias de desenvolvimento.

Seus princípios ecoam as descobertas do WHR: sociedades com alta reciprocidade social têm desigualdades de felicidade 40% menores. Isso demanda repensar métricas de progresso: o PIB versus indicadores de profundidade relacional.

O futuro do bem-estar é coletivo

Quando o autocuidado vira apenas mais um produto a ser comprado, quem realmente se beneficia? A interseção entre os dados do WHR 2025 e o boom do wellness revela que, na era digital, o autocuidado e o bem-estar não podem ser tratados como luxo individualista ou solução paliativa à angústia frente aos problemas contemporâneos.

É preciso olhar para a questão como infraestrutura essencial para a sobrevivência coletiva. Empresas que souberem aliar tecnologia a estratégias humanizadas terão um papel crucial nesse novo cenário. Mas é fundamental que políticas públicas e iniciativas privadas se voltem para resolver problemas estruturais, combinando soluções voltadas a moradia acessível, segurança no trabalho, renda básica e saúde com ecossistemas de apoio comunitário.

Tudo aponta para uma verdade inegável: o futuro do bem-estar deve ser construído na interseção entre tecnologia e humanidade e pertencerá às sociedades que entenderem o autocuidado não como luxo, mas como infraestrutura essencial para a sobrevivência coletiva. O desafio é transformar o autocuidado em um movimento que não apenas alivia sintomas, mas cura as raízes da infelicidade moderna.